A pandemia da Covid-19 fez com que muitas pessoas olhassem a própria rotina com lentes de aumento e examinassem suas prioridades com atenção. Nesse processo, a relação com o trabalho também mudou, levando a uma reação inesperada por parte dos profissionais.
Um número recorde de trabalhadores têm abandonado o emprego desde o começo da crise sanitária. O movimento foi tão intenso nos Estados Unidos em 2021 que ganhou nome próprio: Great Resignation, ou a Grande Renúncia.
Quase 48 milhões de americanos pediram demissão no ano passado, segundo o Centro de Estatísticas do Trabalho dos Estados Unidos. Logo a tendência se espalhou por outros países e, em maior ou menor grau, chegou às 38 nações que integram o bloco da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em março de 2021, um estudo da Microsoft projetava que 40% da força de trabalho global deixaria o emprego até o fim do ano.
2021 chegou ao fim. E o Great Resignation continuou. Um de cada cinco trabalhadores planeja se demitir nos próximos 12 meses, segundo uma pesquisa da PWC com mais de 52 mil pessoas ouvidas globalmente. No Brasil, a Grande Renúncia já aparece nos números. Dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) mostram que em março de 2022 foram registradas mais de 603 mil demissões voluntárias – um aumento de 38% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Os jovens de 18 a 25 anos são os mais propensos a largar o empregador, aponta o estudo da PWC. Vários deles começaram a trabalhar durante a pandemia, passaram por um onboarding digital e, muito provavelmente, ainda não tiveram a chance de interagir pessoalmente com colegas e chefes. Esses fatores podem contribuir com sua desconexão com o ambiente de trabalho.
Os números de aplicações nos programas também vêm caindo. Em 2018, mais de 900 mil jovens se inscreveram para programas de entrada (vagas de aprendiz, estágio e trainee) na Companhia de Estágios. Em 2019, o número caiu para cerca de 700 mil e, em 2021, para 650 mil. Claro que fatores como a pandemia influenciaram e, como consequência dela, temos menos pessoas cursando o ensino superior. Porém, precisamos lembrar que, em julho de 2022, estamos no menor índice de desemprego dos últimos seis anos (9,8%).
O que está por trás do Great Resignation?
O que as pessoas buscam
Mais de três quintos das pessoas que pediram demissão em 2021 o fizeram por causa do baixo salário e da falta de oportunidade de crescer na carreira, indica uma pesquisa do Pew Research Center. O terceiro motivo, citado por 57%, seria o desrespeito no trabalho.
Os dados são compatíveis com os que vemos aqui na Companhia de Estágios. Quando perguntamos aos jovens o que valorizam em uma vaga de estágio, a maioria disparada cita a oportunidade de aprendizado, seguida pela chance de efetivação e o valor da bolsa-auxílio. No entanto, a importância que dão à remuneração vem gradualmente aumentando nos últimos anos.
A preocupação com o dinheiro é um traço marcante da Geração Z. Segundo um relatório da Deloitte, três em cada dez jovens afirmam que não se sentem seguros financeiramente e 43% buscam um emprego extra como alternativa de renda.
No dia a dia, contudo, uma pesquisa da Companhia de Estágios indica que o que mais motiva o jovem em uma empresa é ter um plano de carreira (62%) e sentir que a diversidade é respeitada (47%). A chance de efetivação (44%) e a liderança engajada (41%) aparecem em terceiro e quarto lugar, seguidas pela flexibilidade de horário (30%).
O salário pode ser a principal fonte do Great Resignation, mas, quando se trata de engajamento, tem papel quase irrelevante. De maneira geral, as pessoas almejam não apenas um local para trabalhar, mas um ambiente para se desenvolver. A possibilidade de mobilidade dentro da mesma empresa é algo que pode aumentar o tempo de contribuição de um talento. Se ele não identificar possibilidade de desenvolvimento e desafios na companhia, vai olhar para o mercado. Sob o ponto de vista da organização, se a pessoa tem potencial, agrega ao time e tem o perfil da empresa, vale o esforço de criar oportunidades dentro da própria empresa. É melhor ter um talento em outra área ou desafio dentro da empresa do que não ter.
Outro fator que tem ganhado importância é o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. É preciso que o emprego não ocupe todo o tempo de vida, dando espaço para se dedicarem ao lazer, aos estudos e os demais aspectos ligados à saúde física e emocional. De acordo com um estudo do LinkedIn, ter mais tempo para as atividades fora do trabalho é meta para 63% dos profissionais entrevistados.
O que as empresas podem fazer
Um ponto interessante do Great Resignation é que todas as pessoas, de idades e níveis profissionais variados, parecem cansadas da cultura de trabalho mantida até então – com suas horas extras excessivas, os chefes autoritários e distantes, as reuniões infindáveis, o baixo reconhecimento e a falta de perspectiva.
Para atrair os melhores candidatos e manter os talentos comprometidos com a empresa, o RH pode começar justamente pelos pontos de maior impacto: a cultura e o desenvolvimento. Uma cultura organizacional inclusiva, que proporcione aprendizado e desafios , criará um ambiente favorável de desenvolvimento e boas entregas.
Em se tratando de desenvolvimento, algumas empresas estão adotando um novo modelo de treinamento flexível onde a pessoa tem créditos para usar em diferentes locais e para diferentes temas. Funciona assim: a pessoa valida com seu gestor o tema e instituição que vai ministrar o treinamento, que pode ser um curso de idioma, Excel, Power BI, metodologia ágil, enfim, o que o líder e o liderado entenderem que tem relação com a área de atuação e que vai contribuir com o crescimento profissional do jovem e com as entregas na empresa. O curso é feito, é necessária aprovação e frequência, e a empresa tem acesso aos resultados práticos já aplicados no dia a dia do trabalho. Permitir que os jovens também se envolvam em projetos pontuais é outra maneira de promover o aprendizado e a sensação de avanço na carreira.
Outro ponto relevante é que, em tempos de trabalho híbrido e remoto, proporcionar momentos de convivência (digital ou presencial) pode ajudar as pessoas a interagirem e formarem conexões. Afinal, como revelou uma pesquisa do Gallup, quem tem amigos na empresa é sete vezes mais propenso a se engajar no emprego. No caso dos jovens, isso ainda contribui para uma maior felicidade, motivação e produtividade.
No fim, o Great Resignation pode ser uma grande oportunidade para impulsionar as mudanças necessárias no ambiente de trabalho.